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Título


Ay Kakyri Tama. Eu Moro na Cidade, de Márcia Wayna Kambeba





 

 

Ay kakyri tama

 

Ay kakyri tama

[Eu moro na cidade]

 

Ynua tama verano y tana rytama

Ruaia manua tana cultura ymimiua

Sany may-tini, iapã iapuraxi tanu ritual

[tradução]

Eu moro na cidade

Esta também é nossa aldeia

Não apagamos nossa cultura ancestral

Vem, homem branco, vamos dançar nosso ritual

[...]

 

        Dessa maneira inicia Ay kakyri tama. Eu moro na cidade, de Márcia Wayna Kambeba. O livro reúne poemas intercalados com fotografias majoritariamente de crianças indígenas em seus ambientes lúdicos, domésticos e rotineiros. Tal recurso é um elemento complementário às temáticas existentes nas poesias compostas por rimas diversas, que marcam uma musicalidade semelhante aos rituais e às marcações feitas com os pés, durante, por exemplo, as danças sagradas e as comemorações pertencentes aos povos originários.


A obra de Márcia Wayna Kambeba vai além de um livro de poemas. Ele é um rico e vasto material para que problematizemos, de imediato, duas datas comemorativas: o 19 e 22 de abril. Tal exercício, associado aos textos, é provocativo e nos faz refletir sobre palavras há séculos naturalizadas e banalizadas: conquista, descoberta, progresso. Logo, é preciso refletir sobre esses termos a fim de ressignificá-los: invasão, violência, estupro, sequestro, morte. Quem é bárbaro e quem é civilizado?  


 

Índio eu não sou

 

Não me chame de “índio” porque

Esse nome nunca me pertenceu.

Nem como apelido quero levar

Um erro que Colombo cometeu.

 

Por um erro de rota

Colombo em meu solo desembarcou

E no desejo de às Índias chegar

Como o nome de “índio” me apelidou.

 

Esse nome me traz muita dor

Uma bala em meu peito transpassou

Meu grito na mata ecoou

Eu sangue na terra jorrou.

 

Chegou tarde, eu já estava aqui

Caravela aportou bem ali

Eu vi “homem branco” subir

Na minha Uka me escondi

 

Ele veio sem permissão

Com a cruz e a espada na mão

Nos seus olhos, uma missão

Dizimar para a civilização

[...]

 

Contar a própria narrativa é algo imprescindível para os povos autóctones, sobretudo, para que percebamos a grande diversidade de culturas, idiossincrasias e cosmovisões. Márcia Wayna Kambeba, ao contar, cantar e poeticizar a própria história, nos proporciona um rompimento com a visão romantizada do índio, a começar também pela mudança e a não utilização desse termo ‘índio’, mas sim indígena. Além de romper estereótipos, a poeta também aborda questões ambientais, exalta a identidade, registra o legado, constrói a memória, homenageia a ancestralidade e confirma o respeito aos mais velhos. A miscigenação, o sincretismo religioso e o orgulho de suas origens também aparecem de modo bastante evidente ao longo dos poemas de Ay kakyri tama. Eu moro na cidade.

A poeta compartilha conosco suas heranças e os ensinamentos por ela aprendido. Os mitos e as lendas nos são apresentados através de imagens que contam a origem e as histórias do povo Kambeba. Por meio de uma seleção lexical bastante cuidadosa, Márcia Wayna Kambeba nos explica a criação do ser humano, mais especificamente da civilização Omágua/Kambeba, nos ensina sobre geografia, história, sincretismo religioso e, principalmente, respeito. Ay kakyri tama. Eu moro na cidade é um livro de muita força, tal qual a civilização que ele representa, tal qual a diversidade cultural em que ele está inserido.




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